“É um enganador o chinez, como é enganadora a sua paisagem, como é enganador e perfido o seu opio demoniaco. O europeu, sobretudo o portuguez em Macau não se dá a esse prazer, um dos maiores do chinez e que com o fantan e o amor constitue a trindade dos seus gosos. As salas onde se fuma opio com delícia, interdictas, mas tentadoras, nauseantes, mas attrahentes para o que já as frequentou, teem o aspecto de logares onde se fôsse pousar para o suicídio agradavel, porque as esteiras são frescas, a luz discreta, o silencio encantador.
“Uma rua da cidade: um bazar chinez”
Os fumadores deitam-se; uma lampada espalha a sua luz discreta, carregam-se os cachimbos com as bolinhas pardas do opio que se vae coar depois d´acceso pelo deposito d´agua que se engordura. Começa a reinar um perfume adocicado, ouve-se o resfolegar doce do cachimbo, um somnolento começa a invadir o cerebro e o fumador deitado nas suas almofadas de palha fina, ou apenas na esteira asseada, sonha docemente ante as raparigas que erram como visões, começa a sentir o que Kouong-Tsen (1) revelou como uma religião aos seus dilectos.
Então surgem os paraizos onde perpassam as carnes nuas das mulheres; vem a esthetica das suas posições conturbar o espirito, são labios vivos que riem e mãos divinas que se estendem para o fumador, é tudo o que a phantasia mais extranha pode evocar de delicioso e de bello. Levados núm sonho para as regiões do amor, é tudo quanto ha de desesperante e de ardente na paixão que os queima, para logo reapparecer na doçura calma d´um gozo infindavel porque após o desespero vem a satisfação do capricho em que tudo é côr de rosa e tem o sabor sem egual da felicidade.”
……………………………………………………………….continua (2)
(1) Citação de Kouong Tseu, sábio chinês : “fumeurs d’opium; — les sphères philosophiques et bienveillantes qu’habitent Hoang-Ti, l’Empereur Soleil, — Kouong-‘Tseu le Parfaitement Sage, — et le Dieu Sans-Nom qui le premier fuma”
Poderá consultá-lo em FARRÉRE, Claude – Fumée d’opium. Paris, Flammarion, 1904.
http://archive.org/stream/fumedopiumpr00farruoft/fumedopiumpr00farruoft_djvu.txt
ou tradução de Herman Schmitz em
http://fumosdeopio.blogspot.pt/2012/11/claude-farrere-fumacas-de-opio-os-tigres.html?zx=59ff56e6c83525a8#.UukXUPl_skw
(2) 3.ª parte do artigo, não assinado, publicado na “Ilustração Portugueza”, pp. 806-807, 1908.