“Macau é o mais remoto padrão da estupenda actividade portuguesa no Oriente nesses tempos gloriosos. Note-se que digo padrão, padrão vivo: não digo relíquia. Há com efeito, padrões mortos. São essas inscrições obliteradas em pedra, delidas pela intempérie e de há muito esquecidas ou soterradas, que os arqueólogos vão pacientemente exumando como penivelmente decifrando, tão lamentavelmente melancólicas como as ressequidas múmias dos faraós.
A fatalidade do determinismo histórico fez a colonização portuguesa quase exclusivamente se desenvolvesse adentro dos trópicos, com exclusão de Macau, todas as colónias portuguesa ou ex-portuguesas de clima relativamente temperado são situadas no hemisférico austral.
A Praia Grande, Avenida da República e o Hotel Bela Vista na década de 20 (século XX) (2)
Assim é Macau a única terra do Ultramar Português em que as estações são as mesmas da Metrópole e sincrónicas com estas. É a única em que a Missa do Galo é celebrada em uma noite frígida de Inverno; em que a exultação da aleluia nas almas religiosas coincide como o alvoroço da Primavera – Páscoa florida com a alegria das aves novas ensaiando os seus primeiros voos: em que a comemoração dos mortos queridos tem lugar no Outono. Mais ainda: em Macau é fácil à imaginação exaltada pela nostalgia em alguma nesga de pinhal, menos frequentado pela população chinesa, abstrair da visão dos prédios chineses, das sepulturas chinesas, das misteriosas inscrições chinesas, destacando a cada canto, em rectângulos de papel vermelho, das águas amarelas do rio e da rada, onde deslizam as lentas embarcações chinesas de forma extravagante, com as suas velas de esteira fantástica, e criar-se, em certas épocas do ano e a certas horas do dia, a ilusão de terra portuguesa.
A Colina da Guia na década de 20 (século de XX) (2)
Quem estas linhas escreve teve, por várias vezes (há quantos anos isso vai!), deambulando pelo passeio da Solidão, a ilusão, bem vivida apesar de pouco mais duradoira que um relâmpago, de caminhar ao longo de uma certa colina da Beira Alta, muito familiar à sua adolescência. (1)
NOTA: Este texto serviu de base ao “Exercício de Língua e História Pátria” referido em (3)
(1) PESSANHA, Camilo – China. Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1944, 33 p.
(2) As duas fotos pertencem ao livro “MACAU” de Jaime do Inso, 1929
(3) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2013/10/02/leitura-texto-de-camilo-pessanha/
Outras referências de Camilo Pessanha no meu “blog”:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/camilo-pessanha/