“Macau é o mais remoto padrão da estupenda actividade portuguesa no Oriente nesses tempos gloriosos. Note-se que digo padrão, padrão vivo: não digo relíquia. Há com efeito, padrões mortos. São essas inscrições obliteradas em pedra, delidas pela intempérie e de há muito esquecidas ou soterradas, que os arqueólogos vão pacientemente exumando como penivelmente decifrando, tão lamentavelmente melancólicas como as ressequidas múmias dos faraós.

A fatalidade do determinismo histórico fez a colonização portuguesa quase exclusivamente se desenvolvesse adentro dos trópicos, com exclusão de Macau, todas as colónias portuguesa ou ex-portuguesas de clima relativamente temperado são situadas no hemisférico austral.

MACAU Jaime do Inso Praia Grande 1929A Praia Grande, Avenida da República e o Hotel Bela Vista na década de 20  (século XX) (2)

Assim é Macau a única terra do Ultramar Português em que as estações são as mesmas da Metrópole e sincrónicas com estas. É a única em que a Missa do Galo é celebrada em uma noite frígida de Inverno; em que a exultação da aleluia nas almas religiosas coincide como o alvoroço da Primavera – Páscoa florida com a alegria das aves novas ensaiando os seus primeiros voos: em que a comemoração dos mortos queridos tem lugar no Outono. Mais ainda: em Macau é fácil à imaginação exaltada pela nostalgia em alguma nesga de pinhal, menos frequentado pela população chinesa, abstrair da visão dos prédios chineses, das sepulturas chinesas, das misteriosas inscrições chinesas, destacando a cada canto, em rectângulos de papel vermelho, das águas amarelas do rio e da rada, onde deslizam as lentas embarcações chinesas de forma extravagante, com as suas velas de esteira fantástica, e criar-se, em certas épocas do ano e a certas horas do dia, a ilusão de terra portuguesa.

MACAU Jaime do Inso Colina da Guia 1929A Colina da Guia na década de 20 (século de XX) (2)

Quem estas linhas escreve teve, por várias vezes (há quantos anos isso vai!), deambulando pelo passeio da Solidão, a ilusão, bem vivida apesar de pouco mais duradoira que um relâmpago, de caminhar ao longo de uma certa colina da Beira Alta, muito familiar à sua adolescência. (1)

NOTA: Este texto serviu de base ao “Exercício de Língua e História Pátria” referido em (3)

(1)   PESSANHA, Camilo – China. Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1944, 33 p.
(2)  As duas fotos pertencem ao livro “MACAU” de Jaime do Inso, 1929
(3) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2013/10/02/leitura-texto-de-camilo-pessanha/
Outras referências de Camilo Pessanha no meu “blog”:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/camilo-pessanha/