Pequeno trecho de Ferreira de Castro (1), retirado do livro “A Volta ao Mundo” (2), e inserido no livro de leitura do 2.º ano dos liceus: “Selecta de Língua e História Pátria” (3), pp. 140-141.
“O passado de Macau, é, todo ele, uma fantasia histórica de piratas.
Um dia, há mais de quatrocentos anos, andavam os juncos pescando como hoje, surgiram, entre as ilhas, umas embarcações que também erguiam castelo à popa e ostentavam a cruz de Cristo sobre o velame enfunado. Elas deviam, como esses barcos que têm pintados, na proa, olhos de peixe, navegar cautelosamente, olhando a um lado e outro o mar e a terra desconhecidos. Eram os primeiros europeus que atingiam a China depois de Marco Pólo. Os piratas tomaram as naus por juncos de outros piratas, vindos de muito longe. E, por solidariedade de profissão ou por temerem luta com quem se fazia acompanhar de bombardas, deixaram-nos transitar. Os portugueses instalaram-se perto daqui, na ilha de San- Choan, onde devia morrer, mais tarde, S. Francisco Xavier. Com o tempo, outros lusitanos foram chegando, descobrindo as redondezas e remontando o próximo rio Pérola até Cantão. Os lusos vinham pelas riquezas da China e por espírito de revelação; e os piratas, esmoendo o caso, mudaram de atitude e desataram a guerreá-los, considerando-os rivais. Os homens dos juncos, hábeis em todas as abordagens, não se lançavam apenas contra os portuguese, mas também contra os próprios mandarins de Cantão. Dominando inteiramente estes sítios, eles eram senhores de todos os acessos à China do Sul. Então os ricos magnates chinos pediram aos portugueses auxílio para exterminar o inimigo comum. Tumba, tumba, três anos durou a luta, até que os juncos largaram à procura de abrigo em ilhas mais seguras. Por gratidão ao auxílio recebido, o imperador da China decidiu, nesse momento, brindar aos portugueses posse e vida livre duma minúscula península, onde, durante muito tempo, se haviam acoitado os salteadores marítimos. E foi assim que a Cidade do Nome de Deus de Macau veio a ser de Portugal”
Foto inserido na p. 141 do livro com a legenda “Uma rua de Macau. Foto do S.N.I.”
Trata-se da Avenida Almeida Ribeiro
(1) José Maria Ferreira de Castro (1898 —1974) foi um escritor português, que aos doze anos de idade emigrou para o Brasil, onde viria a publicar o seu primeiro romance “Criminoso por ambição“, em 1916. Durante quatro anos viveu no seringal Paraíso, em plena selva amazónica, junto à margem do rio Madeira. Depois de partir do seringal Paraíso, viveu em precárias condições, tendo de recorrer a trabalhos como, colar cartazes, embarcadiço em navios do Amazonas etc.
Mais tarde, em Portugal, foi redactor do jornal O Século e director do jornal O Diabo. Publicado pela primeira vez em 1930, A Selva talvez seja a obra mais importante do autor.
Emigrante, homem do jornalismo, mas sobretudo ficcionista, é hoje em dia, ainda, um dos autores com maior obra traduzida em todo o mundo, podendo-se incluir a sua obra na categoria de literatura universal moderna, precursora do neo-realismo, de escrita caracteristicamente identificada com a intervenção social e ideológica.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ferreira_de_Castro
(2) “A Volta ao Mundo” foi escrita entre 1940 a 1944 e relata as viagens (iniciada em 1939) que realizou, na companhia de sua mulher.
(3) PAULA, Beatriz Mendes; GOUVEIA, Maria Alice – Meu Portugal, Minha Terra. Empresa Literária Fluminense, Lda, Lisboa, sem data (na contra-capa tem a indicação de «Aprovado oficialmente como livro único – Diário do Governo, n.º 46 – 2.ª série, de 24 de Fevereiro de 1963»)