“… (…)…
Uma noite, “ele” veio dizer-lhe que partia, inesperadamente, que fora obrigado a seguir com os outros soldados para sua terra distante, mas prometeu voltar para a levar consigo. Quanto ao seu segredo ela saberia certamente resolver a situação sem o seu auxílio.
Lin Fong não tivera lágrima sequer. O horror da situação aniquilara-a completamente. Voltou para casa como verdadeiro autómato. na manhã seguinte faltara ao trabalho para assistir ao embarque das tropas. escondida por trás duma árvore conseguiu distingui-lo de mochila às costas, inferiorizado agora aos seus olhos, entre os outros companheiros garbosos e sorridentes. “Ele” parecia-lhe entristecido e isso deu-lhe certa consolação. Abandonou o seu esconderijo e caminhou lentamente para um lugar onde podia ser vista. “Ele” reconheceu-a e fez-lhe um sinal com a cabeça. Foi o bastante para que se sentisse menos infeliz, menos desgraçada. Depois, já a bordo, acenou-lhe com um lenço garrido que ela lhe oferecera uma vez. A sua alma expandira-se nesse momento e o segredo que vivia nas suas entranhas revelou a sua presença com um estremecimento violento.
Desde esse dia, Lin Fong vive o seu calvário, à espera que de Sai Iong (1) volte e recolher o primeiro vagido do seu filho aquele que lhe dera, em troca duns momentos fugazes de felicidade, a dor intensa da dúvida, do receio de se ver descoberta e das consequências sofreria.
Mas, até então, talvez volte … E ao anoitecer, quando os juncos regressam da sua faina de pesca, Lin Fong segue direita à marginal a ver findar-se outro dia do seu calvário solitário e a calcular a distância desse Sai Iong que se escondia no horizonte.” (2)
NOTA: Este conto está incluído na antologia
CÉSAR, Amândio – Antologia do Conto Ultramarino. Editorial, Livros RTP, n.º 85, 1972, 280 p.+ |2|
Sobre este livro e Deolinda da Conceição, ler anterior post:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/06/01/leitura-antologia-do-conto-ultramari-no-i/
(1) “Sai Iong” – Portugal
(2) CONCEIÇÃO, Deolinda da – O Calvário de Lin Fong, conto in Cheong-Sam (a cabaia). Secretaria dos Assuntos Sociais e Cultura, Macau, 1979, 280 p.