«Pedras amontoadas sobre pedras, constituindo um pequeno outeiro eriçado de arestas musgosas; abraçando-se ao granito, estendendo as raízes por entre os negros mamelões, soberbas árvores seculares; tal é o que em Macau se chama a Gruta de Camões , e o já de longe se destaca, na aridez quase uniforme da costa, como um grande ramalhete de verdura.
O jardim da Gruta de Camões é um do sítios mais aprazíveis do nosso pequenino domínio do Extremo-Oriente; ao prestígio da sua velha lenda reúne o encanto natural da posição culminante, dos horizontes vastos, da vegetação que aqui encontra asilo, aconchegada com a s rochas contra a fúria inclemente dos tufões.
Dizem, não sei com que fundamentos históricos, que aqui, sobre estas trilhas sinuosas que circundam os penedos, passeou por longas horas a sua melancolia de boémio um pobre procurador dos defuntos e ausentes, ou coisa que o valha, que se chamou Camões.
Acrescentam até que, durante as calmas sufocantes do estio, fugindo sorrateiramente com fastios de mandrião ao desempenho rigorosos do seu empregozinho reles, ele procurava de preferência a sombra fresca de umas três pedras grandes, dispostas naturalmente em forma de gruta…(…)
“A Gruta de Camões” cerca de 1880
Comemorando o facto, cá está hoje, à entrada da gruta, um bustozinho barato do poeta; pendem festões floridos, que a mão do jardineiro china muito intencionalmente entrelaça, como se estivesse arrebicando algum buda de pagode; e não faltam, sobre lages próximas, sonetos mal feitos, escritos em todas as línguas….(…)
… O que se impõe ao nosso espírito, é a grandeza desta mesma vegetação rude e espontânea, que espadana cheia de seiva zombando da tesoira dos serviçais; é a face limosa das pedras abruptas, chorando pelas fendas pequenas gotas de água, como lágrimas de saudade; é a solidão das áleas sombreadas, que o acesso pedregoso torna pouco apetecíveis aos passeantes; é o encanto dos panoramas»
Venceslau de Morais
A Gruta de Camões
Macau, Imprensa Nacional, 1940, pp. 9-12
NOTA: Tentei incorporar uma pequena cronologia da estadia de Wenceslau de Moraes em Macau mas face à incongruência das datas de diversas fontes consultadas, deixarei para uma próxima oportunidade essa descrição.
Anteriores citações de Wenceslau de Moraes, no meu blogue:
LEITURA – ANTOLOGIA DO CONTO ULTRAMARINO (I)
MACAU E O DRAGÃO (II)
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/wenceslau-de-moraes/
[…] MORAES, Wenceslau de – A Gruta de Camões. Macau, Imprensa Nacional, 1940, 17 p. (2) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2013/01/19/macau-e-a-gruta-de-camoes-vi-wenceslau-de-moraes/ NOTA: sobre outros textos de Wenceslau de Moraes, neste blogue, ver: […]
[…] NOTA: destaque a ”bold” da minha autoria (1) CALDEIRA, C. J. – China in Archivo Pittoresco, Semanario Illustrado, 1.º Anno, Julho 1857 pp. 17-19. Referências anteriores deste autor em: https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/carlos-jose-caldeira/ O texto integral deste artigo (com algumas alterações) foi publicado no livro do mesmo autor: CALDEIRA, Carlos José – Apontamentos d´uma viagem de Lisboa à China e da China a Lisboa. Publicado em dois volumes. O tomo I é da Typ. de G. M. Martins, 1852, com 421 pag. e o tomo II. da Typ. de Castro & Irmão, 1853, com 330 pag. O mesmo texto foi reproduzido no TA-SSI-YANG-KUO, coordenado pelo J. F. Marques Pereira. (2) O mesmo retrato (mas recolhido doutra fonte), e referências ao Comendador Lourenço Marques, encontram-se em anterior “post”: https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/06/09/macau-e-a-gruta-de-camoes-ii/ (3) Comparar com outras reproduções da Gruta de Camões do século XIX: 1837: https://nenotavaiconta.wordpress.com/2013/04/03/poesia-macau-e-a-gruta-de-camoes-ix/ 1879: https://nenotavaiconta.wordpress.com/2013/06/13/macau-e-a-gruta-de-camoes-x-a-gruta-de-patane/ 1880 e 1898: https://nenotavaiconta.wordpress.com/2013/01/19/macau-e-a-gruta-de-camoes-vi-wenceslau-de-moraes/ […]