MEMORIA

DOS

FEITOS MACAENSES

CONTRA OS PIRATAS DA CHINA:

E DA

ENTRADA VIOLENTA DOS INGLEZES

NA CIDADE DE MACÁO:

AUCTOR

JOSÉ IGNACIO ANDRADE.


SEGUNDA EDIÇÃO.


LISBOA: NA TYPOGRAFIA LISBONENSE 1835.
Largo de S. Roque N. 12
A C. Dias
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Da INTRODUÇÂO, (1) alguns parágrafos interessantes sobre a China e os chineses:
“Os Chinezes em geral são polidos e virtuosos. O Imperador tem uma só mulher legitima, mas póde segundo as leis do Imperio ter grande numero de amasias. A sorte destas é triste, por viverem encerradas. Pagam com a privação em que vivem da sociedade, a honra de satisfazer ao imperante, a qual devem á formosura, e não ao nascimento, que os Chinezes desapreciam, quando não é accompanhado da virtude”
Os Coláos e mandarins letrados são mais estimados no imperio do que os militares. Entre o grande numero dos primeiros ha seis que acompanham a côrte. O coláo mais antigo e de maior merito nomeia os mandarins para todos os empregos superiores, e os manda punir se não cumprem com o seu dever; o segundo cuida nos cultos, e dispõe as ceremonias da côrte; o terceiro é o Ministro da Justiça; o quarto administra a fazenda; o quinto preside no ministerio da guerra, e determina tudo, quando é preciso sustentala; o sexto tem a seu cargo as obras publicas.
O governo não é despotico como se pensa. Os mandarins oppõem-se aos seus decretos, quando são contrarios ás leis do Estado. Querendo certo Imperador abusar do poder, um mandarim escreveo-lhe pelo modo seguinte:
—Senhor sei que me arrisco em offender o vosso amor proprio, mas devo preferir a morte á perda da honra: não posso deixar de vos advertir, que o máo exemplo dado por vós ao Imperio nos lança a todos no abysmo.
—O Imperador foi generoso para não se agravar, mas não o foi para mudar de conducta. Todos os mandarins esperaram occasião para lhe mostrar serem dos sentimentos do primeiro”
 
Da mesma INTRODUÇÃO, sobre Macau e os Macaenses:
“Foi no anno de 1557, que o Imperador da China concedeu aos portuguezes aforarem aquelle isthmo em premio de terem anniquilado a esquadra do pirata Chang-Silau.
Em 1584 prometteram os macaenses obediencia a Filippe II, porém a bandeira portugueza tremulou sempre nas fortalezas de Macáo.  Em 1586 recebeu Macáo o titulo de cidade do nome de Deus na China, e todas as liberdades e preeminencias, que tinha a cidade de Evora, cujos foros se confirmaram em 1709. Em 1622 tendo Macáo apenas 80 portuguezes, e alguns cafres, foi atacado por 800 hollandezes: deixaram 500 mortos, e 100 prisioneiros; os restantes fugiram largando em [18] nosso poder 8 bandeiras, armas e bagagens. Antes de fazerem o desembarque, pediram a dois navios inglezes, surtos na bahia, para ajudalos; estes não duvidaram, mas exigiam o fruto de todo o saque. Os hollandezes rejeitaram: julgaram muito excessiva a ambição dos inglezes.
Os macaenses são tão zelozos das suas liberdades, que até na meza das sessões do Governo tiraram ao Presidente a regalia de ficar isolado no extremo della. Sendo nove os membros, collocaram a meza dentro de uma tribuna de modo, que ficam tres de cada lado; a frente é livre para entrar e sair. Sobre a meza descança um extremo da vara da Justiça, e o outro fica encostado na parede por cima da cabeça do Ministro: um delles (Lazaro da Silva Ferreira) assombrando-se com ella tocou-lhe de proposito para a fazer cair, e mandou-a tirar, dizendo lhe ferira a cabeça. Os Senadores mandaram por-lhe um gancho no extremo, e uma argola na parede para segurar assim a insignia da Justiça. Outro dia o Ministro ao entrar tocou-lhe para caindo lançala fora: ficou surpreso ao ver, que estava segura. O Vereador do mez tirou-o do embaraço dizendo:
—Tributamos tão grande respeito a nossos maiores, que não podemos prescindir deste seu costume; e presamos tanto a V. S.a, que para não o ferir a vara da Justiça mandamo-la segurar “

continua…………………….   
 
(1) ANDRADE, José Ignacio – Memoria dos feitos macaenses contra os piratas da China e da entrada violenta dos inglezes na cidade de Macao. Lisboa: Tipografia Lisbonense 1835, segunda edição.
Recomendo porque é um texto que vale a pena ler.
Este livro está disponível no The Project Gutenberg EBook  (Data de lançamento: 17 de Maio de 2011 (EBook #36163); ISO-8859-1e poderá ser descarregado do seguinte endereço electrónico:
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