Medo não é temor dos piratas no Rio de Oeste
nem dos tufões no mar.
Não é receio dos tiros, pela noite,
No rio povoado de lorchas e traições;
nem o susto dos enforcados,
Ao luar branco,
No mangal da Areia Preta.
Medo não é terror da guerra,
nem da fome, nem do cólera,
Nem das chagas dos leprosos
na Ilha de D. João:
Não é suspeita
De que a morte espreita,
Continuadamente,
E nos levará.
Medo não é contágio da tristeza
Quando a tarde tomba
E o ocaso ensaguenta
O mar de água barrenta,
As terras e o céu,
Até as ilhas serem tragadas pelo negrume
E as montanhas pelo escuro,
E nada restar senão a treva
E os gritos que atravessam a noite,
Vindos não sei donde,
Para não sei onde.
Medo não é temor das ciladas
Nem dos punhais,
Nem dos beijos vermelhos que enganam
e sorvem lentamente as vidas …
Medo é este pavor de que tu partas
E me deixes só
Joaquim Paço d´Arcos
(Do livro “Poemas Imperfeitos”) (1)
Na continuação do post anterior dedicado a Joaquim Paço d´Arcos ( POESIA – FOI NUMA TERRA DISTANTE NA COSTA DA CHINA), este veio para Macau com os pais e irmãos (de S. Francisco a Hong Kong em 1919 no navio “Persia Maru” e de Hong Kong para Macau na canhoneira «Pátria», a 22 de Agosto de 1919, num dia de tufão.
Refere o mesmo:
“Demandei Macau em noite negra de tufão, na companhia do padre Jerónimo, ao qual fiquei talvez devendo a vida, pelas promessas que fez aos bom Deus se nos salvasse. O bom Deus ouviu a sua voz, cristã e humilde, porque a minha, de pobre pecador, nenhum valor teria…” (2) (pp. 283-284)
NOTA: O Padre Manuel Pereira Jerónimo (1858-1940) que foi missionário em Timor (1896-1918) ficou imortalizado no livro de Joaquim Paço d´Arcos, sendo uma das personagens do seu romance “Amores e Viagens de Pedro Manuel” (1935). Figura grotesca, “com uma bizarria da sua personalidade onde havia tudo á mistura: ignorância, anseio de saber, génio, sonho, loucura“, conforme afirma Joaquim Paço d´Arcos, trabalhava nos campos da aldeia onde nasceu (lugar de Balouca, freguesia de Monte Redondo, Leiria), sem ter frequentado a escola, é trazido aos 28 anos de idade (1886) para Macau, pelo Bispo de Macau, D. António Joaquim de Medeiros, como criado particular. Em Macau, aperfeiçoou os seus conhecimentos frequentando as aulas no Seminário de Macau. No entanto tinha dificuldade em memorizar as declinações e conjugações da gramática latina mas com a proteção do Prelado da Diocese foi ordenado padre a 16 de Novembro de 1894. No entanto a sua fealdade e injusta fama de bronco, não permitiu que fosse padre em Macau tendo sido enviado para Timor (3) onde exerceu a sua vocação sacerdotal com uma doação total às missões de Timor. O fim deste grande missionário foi trágico; terá falecido a 4 de Maio de 1940, louco, perto de Leiria.
Outro conto de Joaquim Paço d´Arcos “Do Niagara a Victoria Falls” tem também como personagem o Padre Jerónimo (4)
(1) PAÇO D´ARCOS, Joaquim. Poemas imperfeitos. Lisboa, Edições Sit, [19–].,144 p. ; 20 cm
(2) TEIXEIRA, P. Manuel – Liceu Nacional Infante D. Henrique, Jubileu de Diamante (1894-1969). Macau Imprensa Nacional, 1969, 291 p. + |VI|, 20,4 x 15,1 cm
(3) http://forum-haksesuk.blogspot.pt/2009/11/padre-manuel-pereira-jeronimo-1858-1940.html.
(4) http://www.novacidadania.pt/content/view/503/67/lang,pt_PT/