Teus olhos cinzentos, teus olhos castanhos,
teus olhos negros, azuis, esverdeados,
– De que cor? Meu Deus !-
Teus olhos fitaram os meus.
Foi numa terra distante, na Costa da China.
Não fixei a cor dos teus olhos,
nem a dos teus cabelos;
Mas os anos passaram e não esqueci teus olhos;
Nem os teus cabelos
Não te esqueci, a ti,
Nem as tardes quentes, húmidas, pegajosas,
Ou as noite mornas,
em que só teus olhos brilhavam
Junto de mim.
Não te esqueci os gritos das mulheres
nos san-pans atracados,
O chapinhar da água lodosa na baixa-mar,
O ruído das pedras do mah-jong,
Aquele baralhar contínuo,
por detrás das persianas cerradas,
Ao longo do nosso caminho !
Foi numa cidade remota na Costa da China…
-Que é feito de ti?
E dos teus olhos em que os meus viram
todas as cores do céu?
Onde pairam os san-pans abrigados na baía?
Onde vãs águas lodosas da baía?
porque não oiço o marulhar das pedras do mah-jong
E o perpétuo marulhar da vaga na enseada?
Porque não fecho mai as portas
e o calafeto as janelas
Em dia de tufão?
Porque não te sentas mais nas pedras
da muralha
Demolida pelo tufão?
Porquenão estraleja o fogo
em noite de noivado,
Ou reboam os gongos em procissão?
Porque não percorremos mais as ruas em
jerinkshá
E nos perdemos nas vielas escusas de
Shi-lu-há?
Porque não havia de perder-me noutros caminhos,
– Mas sem ti?!
Porque não haveria mais de palmilhar os caminhos
em que te encontrei – a ti?!
E porque havia de de sentir toda a vida
o brilho dos teus olhos
De cor indefinida?
Porque havia de me acompanhar toda a vida
A luz dos teus olhos, Se os gongos se calaram,
Se os gritos emudeceram,
Se as muralhas tombaram,
Se os san-pans partiram,
Se as águas secaram,
Se tudo mudou?
porque só tu persistes na lembrança, Se tudo morreu?
Porque vens ainda à minha vida,
Se eu já sou outro, nada subsiste de mim?
Teus olhos cinzentos, azuis, esverdeados,
– De que cor? Meu Deus! –
Ficaram em terra,
Nessa cidade remota na Costa da China,
Todos os mares nos separam,
Mas a água toda do mar não foi bastante
Para apagar dentro de mim o fogo dos teus olhos,
O fogo que arde numa cidade remota,
na Costa da China…
Joaquim Paço d´Arcos
(Do livro “Poemas Imperfeitos”) (1)
Joaquim Belford Correia da Silva (Paço d’Arcos) (1908-1979), conhecido como Joaquim Paço d´Arcos, romancista, dramaturgo, ensaísta e poeta (único livro de poemas publicado “Poemas Imperfeitos“ em 1952), premiado diversas vezes, foi muito lido nos anos 40 e 50. Após a sua morte, em 1979, foi praticamente esquecido. Uma das suas obras mais conhecidas é o conjunto de seis romances “Crónicas da Vida Lisboeta“. (2) (3)
Em Junho de 1918, veio para Macau (via América) juntamente com os seus irmãos Pedro, Henrique e Manuel, a acompanhar o seu pai (Henrique Monteiro Corrêa da Silva, que nasceu em Macau em 08-12-1878, capitão de mar e guerra da Armada) que governou Macau de 23-08-1919 a 1922 (4). Aliás seu avô, Carlos Eugénio Correia da Silva, primeiro visconde e conde de Paço d´Arcos também governou Macau (1876-1879).
Esteve em Macau até 22-6-1922, tendo regressado a Lisboa.
Joaquim Paço d´Arcos tem duas obras com temas macaenses: “Amores e Viagens de Pedro Manuel” (1935) e “Navio dos Mortos e outras Novelas” (1952). A primeira tem como personagem um chefe da polícia secreta de Macau que era também capitão de piratas nos mares da China. A segunda conta a história da filha de um rico chinês residente em Macau, assassinada pelo marido que, por princípios ideológicos, não admitia poder sua mulher herdara fortuna do pai. O navio, que fazia o transporte de mortos chineses do estrangeiro, trouxe os corpos de ambos, pois o marido, condenado pela justiça inglesa, morrera na forca. (5)
(1) PAÇO D´ARCOS, Joaquim. Poemas imperfeitos. Lisboa : Edições Sit, 1952, 144 p. ; 20 cm
(2) http://www.dglb.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=9989.
(3) http://pt.wikipedia.org/wiki/Joaquim_Pa%C3%A7o_d’Arcos.
(4) http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=21141
(5) http://www.fflch.usp.br/dlcv/posgraduacao/ecl/pdf/via01/via01_16.pdf.