O livro que apresento, foi publicado em 1972, pela Sociedade de Geografia de Lisboa: LITERATURA ULTRAMARINA, OS PROSADORES. (1) É uma colectânea de pequenos textos retirados de livros (uma selecção de textos conforme afirma o autor).
No fim do prólogo, o autor, Amândio César (2), justifica as escolhas dos textos:
“Finalmente: presidiu a esta mostra de autores, não a selecção exaustiva mas a selecção de valia individual, sem olhar a origem, religião ou filiação ideológica. Tudo isso pareceu supérfluo. Na realidade somos um todo e como todo seremos julgados, absolvido ou condenados. O acidental importa menos ou mesmo nada, quando o essencial está presente: do Minho a Timor termos uma literatura que é uma arte, servida por uma língua que é dos mais válidos instrumentos de comunicação, no mundo em que vivemos.”
O livro contém, assim enxertos de 6 textos de Cabo Verde, 3 de Guiné, 2 de S. Tomé e Príncipe, 15 de Angola, 14 de Moçambique, 7 do Estado da Índia, 7 de Macau, 4 de Timor e 3 do Brasil.
De Macau, os textos seleccionados, foram dos seguintes livros:
“Aguarela Chinesa” do livro de Emílio de San Bruno ” O Caso da Rua Volong“- romance
“O Bazar” do livro de Jaime do Inso “O Caminho do Oriente” – romance
“A Lorcha” de António de Santa Clara “Cartas do Extremo Oriente” – crónicas
“A cabaia” de Deolinda da Conceição “Cheong-Sam” – contos
“A Casa Ensombrada da Rua do Campo” de Luís Gonzaga Gomes de “Lendas Chinesas de Macau” – contos
“A-Chan, A Tancareira” de Henrique de Senna Fernandes de “A-Chan a Tancareira” – contos
“Dentro do barco da velha” de Ernesto Leal “A Velha e o Barco” – contos
Deste último, da autoria de Ernesto Leal (Ver POST : LEITURA – A VELHA E O BARCO) e para quem se lembra dos miúdos (filhos das “tancareiras” cujos tancares/sampanas se encontravam atracados no Porto Interior) que tinham uma cabaça presa ao tronco/cintura, retiro a seguinte passagem:
“Nos portos de China há uma multidão de tancares dentro dos quais uma população nómada feminina nasce, vive e morre. Os homens vão a terra, que as «casa» são pequenas; e trabalham cá fora, no que aparecer; ou não trabalham. As mulheres novas ainda «saem»; porque vão ao mercado; ou porque são bonitas, ou jovens, e vão ao mundo. Quem fica a bordo é a velha e o miúdo. Ao miúdo põem-lhe um cordão por baixo das axilas com uma cabaça amarrada que lhe fica às costas. Se o pequeno cair à água, flutuarão, ele mais a cabaça. E como, de barco a barco, colocam pranchas para o movimento dos peões e dos cães, – quem viver longe terá que passar muitas pranchas e muitos barcos antes de chegar ao seu tancar – o miúdo vai brincar com os outros miúdos para o «quintal», isto é, para as pranchas. Fica a velha. Fica sempre a velha”
(1) CÉSAR, Amândio – Literatura Ultramarina, os prosadores. Sociedade de Geografia de Lisboa, Semana do Ultramar, 1972, 197 p + |1|, 20cm x 15 cm
(2) Segundo http://literaturacolonialportuguesa.blogs.sapo.pt/658.html,
Amândio César, professor, jornalista, contista, poeta e ensaísta foi um elemento solidamente conotado com o regime (publicara Angola, 1961, um conjunto de crónicas sobre os acontecimentos desse ano no norte de Angola) e desempenhou papel fundamental nesse desígnio.
Segundo http://pt.metapedia.org/wiki/Am%C3%A2ndio_C%C3%A9sar,
Amândio César (1921-1987), foi poeta, ficcionista, ensaísta e crítico literário, desenvolveu ainda, em Braga e em Lisboa, a actividade de jornalista comprometido com o Estado Novo. Foi um dos elementos do grupo Poesia Nova e o fundador da revista Quatro Ventos (Braga, 1954-1957). Como ensaísta e crítico literário, dedicou parte da sua actividade à divulgação das literaturas brasileira e africana de expressão portuguesa nomeadamente a angolana, sempre de um ponto de vista “colonial” ou “ultramarino” mas sem discriminar os que politicamente lhe não eram pares. Publicou Elementos para Uma Bibliografia da Literatura e Cultura Portuguesa Ultramarina Contemporânea: Poesia, Ficção, Memorialismo, Ensaio, em colaboração com Mário António (1968), e as antologias Novos Parágrafos da Literatura Ultramarina (1971) e Antologia do Conto Ultramarino (1972). Publicou também alguns trabalhos no domínio da geografia literária, alguns dos quais em publicações como Gil Vicente, Boletim de Trabalhos Históricos, Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Ultramar, etc. Foi tradutor de Curzio Malaparte e Alberto Moravia. No dizer de Jorge de Sena, “se a sua poesia se integra, apesar de uma certa versatilidade, num lirismo tradicional e tradicionalista, os seus contos aproximam-no do neo-realismo literário na forma de tratar a terra duriense”.
[…] o autor, ver meu anterior blogue – LITERATURA ULTRAMARINA – DENTRO DO BARCO DA VELHA https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/03/02/leitura-literatura-ultramari-na-dentro-do-barco-da-ve… (2) CÉSAR, Amândio – Literatura Ultramarina, os prosadores. Sociedade de Geografia de […]
[…] ver anterior post: LEITURAS – LITERATURA ULTRAMARINA – DENTRO DO BARCO DA VELHA https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/03/02/leitura-literatura-ultramari-na-dentro-do-barco-da-ve… e https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/05/08/leitura-literatura-ultramari-na-a-lorcha/ […]
[…] A entrada principal do enorme casarão (1) ficava em frente do Hospital São Rafael (2) e o seu proprietário, que enriquecera com o negócio do sal, quando o mandou construir, julgou poder manter unida a sua família através de seis gerações. Infelizmente, à quarta geração, os seus descendentes foram obrigados a dispersar-se e a abandonar aquele casarão sem poderem satisfazer os desejos do seu ilustre ascendente. O casarão possuía ao todo cinco entradas e trinta e um quartos e ninguém ousava habitá-lo por ser verificado que nele viviam vinte e oito almas penadas. Como com o tempo, fosse aumentando o número dos espíritos da sombra, as pessoas incumbidas de tomar conta daquele inútil casarão, espalharam por todas as salas mil e um feitiços e pregaram e penduraram por todas as paredes inúmeros amuletos, a fim de ver se conseguiam, desta forma, evitar que o malfadado prédio continuasse a ser visitado por tão terríveis entes. Efectivamente, durante algum tempo, os espíritos deixaram de aparecer mas, assim que descobriram a forma de anular os efeitos dos feitiços e amuletos, passaram outra vez a residir no casarão, tornando-o inabitável para os mortais. Os herdeiros daquele casarão, que nada rendia, não olharam então a dinheiro e convidaram os mais afamados exorcistas e bonzos de todos as seitas, para celebrarem complicados esconjuros e encantações e entoarem demorados ensalmos, mas tudo foi baldado. Os bonzos acabaram por recomendar aos descorçoados proprietários para atravessarem a viga mestra do corpo principal do edifício com um espigão de ferro de oito braças de comprimento das quais seis deveriam ficar a descoberto no interior do edifício. Este recurso também não deu resultado, pois, mal se escondia o sol, lá se ouvia por todos os cantos e recantos o perturbante mussitar dos fantasmas que decerto andavam segredando malévolos planos ou concertando misteriosas diabruras, e, na calda da noite, surgiam por entre a escuridade dos sobrados, estranhos vapores que se iam adensando, palatinamente, formando grossos novelos de impenetrável fumo que impediam a entrada de qualquer ousado visitante…” (3) …………………………………………………………………..continua (1) O casarão foi demolido. (2) Hoje Consulado-Geral de Portugal. (3) GOMES, Luís Gonzaga – Lendas Chinesas de Macau. Notícias de Macau, 1951, 340 p. ; 19 cm. Este conto está também inserido no livro, (CÉSAR, Amândio – Literatura Ultramarina, Os Prosadores. Sociedade de Geografia de Lisboa, Semana do Ultramar, 1972, 197 p., 20,5 cm x 15 cm.), já referenciado em post anterior: https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/03/02/leitura-literatura-ultramari-na-dentro-do-barco-da-ve… […]